sábado, 13 de dezembro de 2008

Sentimento em música

Sobre a expressão do sentimento através música sabemos que, no período Barroco, a música era tida como uma arte menor, que por si não dizia nada, que carecia de uma outra linguagem para ter significado. Na verdade, o que teria significado não seria a música, mas o que se cantava. A melodia era apenas pano de fundo. O cenário começou a mudar quando Rameau (1683-1764) procurou demonstrar que os acordes vêm de um fenômeno natural, a série harmônica. Dessa forma, a música saía do campo da abstração para se tornar uma arte explicada por um fenômeno natural: a música vinha da natureza.

Gonzaga, não discutia em termos filosóficos sobre a questão do sentimento em música, mas consideraria estranhas as discussões de Meyer e Malcom Budd se as conhecesse. Meyer distinguia dois tipos de significado na música: o absoluto e o relativo. O significado absoluto é intramusical, é a relação interna entre os componentes da música. O significado relativo, por sua vez, é extramusical, é o modo como a música é absorvida. Em uma tentativa de conciliar as posições extremas entre o formalismo e o expressionismo em música, ele afirmava que, para os formalistas, o significado intramusical de uma obra é intelectual, e que o expressionismo defende como emocional que este mesmo significado.

O crítico Malcom Budd discute esse asunto: para ele, ambas as teorias de Meyer seriam incompletas, pois o formalismo não se presta para explicar a parte abstrata da música e também não consegue estabelecer uma relação exata entre o que se ouve e o que se sente; e o expressionismo tem dificuldades para elucidar a relação ouvinte/música, no sentido de definir como é possível o entendimento não-emocional das obras, ou seja, como o ouvinte entende a música. Gonzaga defenderia, com certeza a posição naturalista de Rousseau, pois lhe parecia evidente que a música era um fenômeno natural, e expressar sentimentos era o seu objetivo.

Esse pensamento encontrou solo fértil no Iluminismo francês; e Rousseau (1712-1778), veio a enfatizar a importância da assemanticidade musical que, antes de expressar formas, expressa sentimentos, porém, não de forma palpável. Então, a música passou a ser vista de outra forma. Desvinculada de imagens materiais que não conseguia e nem mais pretendia representar, suas evocações passaram a ser etéreas, de estados de espírito, de sentimentos.

Tais conceitos seriam postos em xeque por Edward Hanslick em seu livro “Do belo musical”, (1854). Para ele, os românticos apenas trocaram uma limitação por outra: a música continuava tendo que representar alguma coisa. Hanslick se afasta de toda e qualquer concepção extramusical para se aproximar de uma visão mais fenomenológica da música e começa a tratar de um aspecto verdadeiramente musical, independente de qualquer realidade exterior, o movimento. A partir do movimento que a música fará sentido dentro de seu próprio texto. Segundo Hanslick, não é a obra que traz a idéia do sentimento, é o movimento da obra que coincide com o do sentimento em questão.

Para Marcos Nogueira, ao se organizar objetos musicais já surge automaticamente para o ouvinte uma relação clara entre eles; pode-se evocar um conteúdo mental ou um entendimento (para utilizar as palavras do autor) referente a tais materiais. Isso explica porque um choro nos remete ao Rio de Janeiro do início do século XX e não ao Japão, por exemplo. Dessa forma, o autor pode se valer de certos conceitos comuns, como o exemplo citado anteriormente, para passar uma mensagem mais objetiva . Ou seja, o significado da música vai depender da lembrança que ela carrega.

Enfim, a experiência de contenção em música envolve um efeito de ‘forças internas’ de agrupação que vinculam determinados eventos musicais entre si –– estabelecendo unidades formais em vários níveis. Essas forças de agrupação circunscrevem-nos a uma localização espaço temporal e mantêm-nos relativamente a salvo do efeito de outras ‘forças externas’ assim reduzindo a possibilidade de agrupações discrepantes da conformação desejada, tanto por compositores como por executantes” .

É neste sentido, ou seja, que o significado da música vai depender da lembrança que ela carrega que poderíamos mais nos aproximar da compreensão da música de Gonzaga, com sua característica de ser herdeiro permanente de nossas lembranças, associações, recriando de forma suave sons já evocados em nosso intimo, recordações recorrentes da memória musical do Ocidente, seja na tradição do barroco alemão, das heranças espanholas ou dos choros de nossos ancestrais.

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